Autor: Luiz Carlos de Arruda Martins e Luiz Montanini
A nuvem ainda é pequena, o cicio, inda suave, mas ambos anunciam nas suas formações e sussurros que é crescente o senso entre os filhos de Deus de que sem o outro eu nada posso fazer. Ainda que a maior parte esteja como que vitimada pela síndrome de Babel e insista em tentar chegar ou se manter no topo da própria torre, já há quem sinta os alicerces começando a trepidar sob seus pés e passe a se perguntar se o Deus a quem diz servir está mesmo naquilo que ele anuncia em seus programas e programações. Sobretudo porque dia a dia ele vê minguando o seu rol, dada a variedade de mercadores e de produtos disponíveis na praça, online ou presencialmente.
Nós, os dois luízes acima assinados, poderíamos fazer mais críticas aqui, mas entendemos que homens da nova aliança devem andar nela e ser propositivos em relação ao reino de Deus e seus súditos. Não obstante nossas manchas, rugas e demais dermatoses, este é o povo de Deus e nós estamos aprendendo e queremos amar o que Ele ama. E como ama!
Assim, certos de que em breve a nuvem se tornará em densa massa carregada de abundantes chuvas e o cicio suave se transformará em voz tonitruante, preferimos abordar aqui o valor de uma aliança, o quanto precisamos ser dependentes e interdependentes. E enfatizar a segurança dos vínculos espirituais, ainda que improváveis. Como os de Saulo, ou Paulo — já que era conhecido pelos dois nomes, conforme vemos no verso nove de Atos treze — e Tito, por exemplo.
A atitude de Saulo ao chegar a Trôade (na Turquia de hoje), relatada nos versos doze e treze do capítulo dois da sua segunda carta aos Coríntios, de desistir de pregar o evangelho de Cristo cuja porta fora aberta pelo próprio Senhor, foi inesperada, até certo ponto estranha e possivelmente pouco espiritual aos olhos dos irmãos da igreja local. Afinal ele estava ali não para anunciar uma boa notícia qualquer, mas a boa notícia do evangelho de Cristo. E não entrara por uma porta aberta por um qualquer, mas pelo próprio Senhor.
E por que motivo ele desistiu, deu tchau aos irmãos e partiu para a Macedônia (na Grécia de hoje)? Porque ficou inquieto, sem descanso no seu espírito por não ter achado ali seu irmão Tito.
Vamos nos deter aqui por um pouco e imaginar juntos. Paulo chega para pregar o evangelho de Cristo por meio de uma porta aberta pelo Senhor e não tem tranquilidade, não tem descanso no seu espírito porque seu irmão Tito não estava lá. Ele não viu a Tito ali e ficou inquieto. Desistiu até mesmo de pregar e de entrar por aquela porta aberta pelo próprio Deus. Perdoe a repetição, mas queremos dar ênfase a isto. Não era sequer uma questão de autoridade espiritual, algo como não ter se sentido livre porque Paulo era, naturalmente, pai espiritual de Tito, a quem chamava de verdadeiro filho na fé, assim como a Timóteo (Tt 1.4 e 1Tm 1.2), portanto, tinha liberdade para chegar, falar, mudar, deliberar, tinha trânsito livre. Possuía autoridade apostólica para isso. Era um apóstolo maior sobre um menor.
Mas Paulo ficou inquieto porque não encontrou a seu irmão, Tito. Naquele momento, ele não via a Tito como uma autoridade apenas, mas como seu irmão, seu amigo, seu chapa.
Quem foi Tito? Foi um dos companheiros do apóstolo Paulo e um dos líderes mais importantes no início da chamada igreja primitiva. Provavelmente ele também foi um filho na fé de Paulo, talvez convertido em uma de suas pregações (Tt 1.4).
Tito era um apóstolo, viajava muito. Colocava as coisas nos lugares em Creta, estabelecia presbíteros de cidade em cidade, sempre a mando de seu pai espiritual e apóstolo, Paulo, conforme vemos no verso cinco do capítulo um da própria carta que Paulo enviou a ele. Mas, era, sobretudo, parceirão de Paulo. Era seu filho, sim, mas seu amigo. Ali em Trôade, Paulo percebeu que sem Tito, ele nada poderia fazer. E nem queria.
Este episódio mostra a dependência que temos uns dos outros, no espírito, o refrigério e a tranquilidade que outros irmãos trazem ao nosso espírito. Um querido amigo, Robert Walker, conhecido e respeitado como voz profética e coração pastoral, certa vez observou que quando algumas pessoas estão presentes em uma reunião nós temos maior tranquilidade no espírito. Que grande verdade.
Não é apenas uma questão de amizade. Temos amizades, elas são importantes e se um amigo estiver perto de nós, ficamos mais tranquilos. Mas, quando estou perto de alguém ou alguém de mim no espírito o estágio que alcançamos é ainda mais excelente, o vínculo é maior, é no espírito. Quando encontramos ou estamos com alguém no mesmo espírito, há uma conexão, um só pensamento, uma só motivação e temos maior tranquilidade, liberdade e autoridade para falar e pregar o evangelho de Cristo.
O vínculo no espírito entre Paulo e Tito era mesmo forte. Na Macedônia, logo depois, Paulo também não teve tranquilidade. Ele conta nos versos cinco a sete do capítulo sete da segunda carta aos Coríntios que ali foram atribulados em tudo, com lutas por fora e temores por dentro, mas foram consolados com a chegada de Tito.
Quando estava atribulado, em lutas e temores, Deus consola a Paulo de que forma? Não vem pessoalmente, não envia um anjo. Envia a Tito. Assim também nós, quantas vezes sentimos falta e precisamos estar perto de alguém e esse alguém nos revigora. Quando estamos perto de quem ou com quem temos aliança nosso espírito se alegra. Não nascemos para viver sozinhos. Nos nossos momentos mais difíceis, perturbadores, de viradas de chave, de agonia, o que mais desejamos é ter nossos amigos mais chegados por perto. O próprio Jesus viveu e mostrou isso com toda a liberdade e demonstração de necessidade de companhia na angústia do Getsêmani.
Nossa interdependência é altamente espiritual. Não é só corpo, não é só alma, é interdependência no espírito. É o nosso espírito que vai clamar para estar junto com outros que tenham o mesmo espírito.
Talvez aqui esteja um dos “dentes” da chave-mestra, uma das suas combinações que nos ajudarão a entender o que realmente significa o sucesso completo resultante do ato de “dois de nós concordarmos” prometido por Jesus e eternizado em Mateus 18.19. É uma verdadeira concordância. Uma concordância no espírito. Dois na Terra concordam sobre algo que ouviram de Deus, como que ouvindo em sintonia fina o que Jesus está pedindo ao Pai naquele exato instante, oram sobre isso e às vezes agem a respeito aqui na Terra e algo acontece, é feito, autorizado, pelo Pai, nos céus.
Sim, ainda nem sempre acontece exatamente assim, mas já há sinais apontando para o cumprimento da oração apaixonada e maravilhosa de Jesus em João 17.21: sermos um entre nós e no Pai e no Filho, para que o mundo creia realmente que o Pai enviou a Jesus.
Hoje, no Brasil, já existem movimentações expressivas de cristãos evangélicos com católicos em busca de um só coração em Cristo. Conhecemos vários irmãos que têm estreitado laços de comunhão, com base na unidade que possuem em Cristo e no que Ele nos ofereceu na cruz. Ora, se Jesus estava ali reconciliando consigo o mundo, certamente ainda mais reconciliados estavam sendo aqueles que professam o seu nome, não importando a origem ou vertente, seja católica, ortodoxa, judaica, evangélica de qualquer matiz ou “tribo”, desde que a unidade seja em Cristo.
Em Jerusalém, atualmente, árabes e judeus messiânicos se encontram para adorar a Jesus como o Messias e a viver em comunhão e aliança. Certamente também não é sem razão que este episódio da desistência da pregação de Paulo em Trôade por não ter encontrado Tito é registrado nas Escrituras. Tito não era judeu. Era grego, conforme vemos em Gálatas 2.3. E Paulo, um judeu enviado aos gentios, vai a Trôade, não encontra seu amigo e não sente paz sequer em pregar ali, em usar a porta aberta pelo próprio Senhor.
Paulo, um judeu, recusa-se a ministrar sem estar ao lado de um grego, um não- judeu. Como isto nos ensina a respeito de unidade, o sermos um, o considerar o outro. Paulo sentia que precisava do equilíbrio de um não judeu com ele e Tito se submetia à autoridade de Paulo sem qualquer problema porque acima disto estava a amizade entre ambos, a fraternidade, a paternidade espiritual. O trabalho, a chamada obra de Deus era feita em conjunto. A glória era de Deus e havia alegria em participarem juntos de tudo. Judeu e não judeu, judeus e gentios, agora membros de um mesmo corpo, participam juntos da família de Deus e da obra de Deus (Ef 2.15).
Hoje, no Brasil, já há uma movimentação e alguns encontros em busca de unidade entre alguns judeus messiânicos que andavam distanciados entre si e passaram a se procurar e mesmo deles com alguns gentios, alguns “Titos”, não judeus. Todos em busca da verdadeira unidade do corpo, cujo único cabeça é Cristo. Não estão sendo ligados por simpatias ou amizades, é muito mais que isso, é muito mais profundo, é no espírito. Estão procurando, sinceramente, aprender a ser um espírito juntos. Aprender a andar nas mesmas pisadas, nas mesmas pegadas. Paulo e Tito andavam nas mesmas pisadas (2 Co 2.18). Não necessariamente juntos o tempo todo, mas quando iam, levavam o coração do outro junto.
Já se vê um corpo apostólico sendo formado dentro da pequena nuvem. Uma equipe, um time, um propósito, um projeto, uma célula ou grupo caseiro, uma família em volta de Cristo em cada casa, dois ou três em aliança, edificando e sendo mutuamente edificados, cada um no seu perfil, na multiforme graça e nos dons que Jesus distribuiu aos homens quando subiu ao alto levando cativo o cativeiro e fazendo a partilha. Já se ouve o cicio suave, um burburinho, uma voz doce que nos leva a “ser um” com o outro a ponto de nos encorajar a, se preciso, no futuro, oferecer nossa vida em favor do outro porque sem você eu nada sou e nada posso fazer.
Luiz Montanini é pastor, casado, 3 filhos, um neto,
Autor dos livros: “Gestação Silenciosa“,” Volte e Conte” e “O Relógio de Deus“, faz parte da equipe do TJCII Brasil e é membro da equipe de serviço do Encristus.