OS CRISTÃOS EM ANTIOQUIA

Autor: Pedro Arruda

A Comunidade Exemplar, Diversa e Unida

A comunidade cristã em Antioquia era ecumênica, diversa e inclusa, expressando um verdadeiro testemunho de unidade. Pobre e fundada por refugiados, possuía também diversidade étnica e era espiritual, generosa e missionária. Tinha o caráter semelhante ao de Barnabé e serviu de escola ao apóstolo Paulo

A Tribulação Missionária

Herodes e o sumo sacerdote eram as autoridades em Jerusalém e se opunham ao evangelho. Eles mataram Tiago e Estevão e pretendiam fazer o mesmo com Pedro, lançando uma forte perseguição contra os discípulos de Cristo – sem saber que estavam impulsionando o primeiro grande movimento missionário maciço para expansão do evangelho.

Embora os cristãos devessem ser a maioria, ou, no mínimo, uma quantidade equilibrada na população de Jerusalém, eles não resistiram (nem de forma violenta nem pacífica) e muitos partiram como refugiados para outros países. A macrocomunidade consolidada foi o maior valor que deixaram, uma vez que os bens materiais já haviam sido vendidos e partilhados. Contudo, não empreenderam uma fuga individual, mas sim em microcomunidades formadas pelos familiares e pessoas mais próximas, como é natural nesse tipo de fluxo migratório de refugiados sob perseguição.

Esses imigrantes recebiam acolhida e o apoio de famílias, parentes e amigos das comunidades judaicas que havia por toda parte. É razoável supor que o principal assunto entre recém-chegados e os que os acolhiam era a própria imigração, suas causas, consequências e a experiência em si. E como as explicações estavam totalmente vinculadas ao evangelho, por decorrência os imigrantes já faziam o anúncio da mensagem até chegarem a Antioquia da Síria. Em paralelo, chegaram também originários de Chipre e Cirene, que se juntaram ao mesmo fluxo migratório. Estes não se restringiram ao círculo judaico local e anunciaram o evangelho também aos gentios.

Recomeço em Antioquia

Ao se fixarem em Antioquia, automaticamente também se instalou a Comunidade, a primeira como expressão do Corpo de Cristo fora de Israel. Ela tinha a diversidade como uma das suas principais características, pois era composta por judeus nascidos em Israel e vindos de Jerusalém, por helenistas – judeus nascidos fora de Israel – e gentios, locais e estrangeiros, sempre aberta à novas adesões.

  • “E os que foram dispersos pela perseguição que sucedeu por causa de Estêvão caminharam até à Fenícia, Chipre e Antioquia, não anunciando a ninguém a palavra, senão somente aos judeus. E havia entre eles alguns homens chíprios e cirenenses, os quais entrando em Antioquia falaram aos gregos, anunciando o Senhor Jesus. E a mão do Senhor era com eles; e grande número creu e se converteu ao Senhor” (At 11,19-21).

Como não podia deixar de ser, a referida diversidade étnica presente na comunidade era reproduzida entre aqueles incumbidos de servir na liderança: Barnabé, um judeu levita nascido em Chipre, que com seu espírito comunitário e generosidade avivara ainda mais a já avivada comunidade de Jerusalém. Também serviu de introdutor do judeu benjamita e fariseu, Paulo, à igreja: primeiramente o afiançou junto aos apóstolos, depois o trouxe para ministrar em Antioquia e finalmente o levou consigo para a primeira viagem missionária do apóstolo:

  • E na igreja que estava em Antioquia havia alguns profetas e doutores, a saber: Barnabé e Simeão chamado Níger, e Lúcio, cireneu, e Manaém, que fora criado com Herodes o tetrarca, e Saulo (At 13,1).

A liderança diversificada e plural era exercida como um serviço. Além de Barnabé e de Paulo, incluía também Simeão (chamado Níger), Lúcio (cireneu) e Manaém, que fora criado com Herodes, o tetrarca. Depois, a Comunidade de Antioquia recebe a visita de Judas e de Silas – este último se tornou companheiro de Paulo nas viagens -, enquanto João Marcos, inicialmente, acompanhou Barnabé e serviu Paulo ao final.

É importante notar, então, que o vínculo antecedente que havia entre os judeus imigrantes e acolhedores foi potencializado pela fé comum para constituir essa Comunidade. É evidente a participação fundamental da família e de microgrupos na origem, manutenção e desenvolvimento da Comunidade que expressa o Corpo de Cristo.

O fenômeno antecede ao nome. Enquanto os seguidores de Jesus Cristo estavam restritos entre os judeus, especialmente em Jerusalém, receberam o apelativo nome de “os do Caminho” (At.9,2), de quem imaginava ser apenas uma seita judaica. Os antioquianos foram os primeiros a nomeá-los como cristãos ao observar o amor entre eles. Com um estilo de vida comum marcante, eles constituíam numa autêntica comunidade inclusiva, originada de microgrupos e familiares de pobres refugiados e locais, plural e ecumênica (no bom e restrito sentido do termo), cuja diversidade étnica reunia judeus, helenistas e gentios (imigrantes e locais) num autêntico testemunho de unidade diversificada. A unidade, absolutamente fundamental, era normal a ponto de sequer cogitar sua falta e, por obviedade, desnecessária ser mencionada.

Portanto, a vida comunitária desses seguidores de Cristo é que deu origem à designação de cristãos. Não foi uma auto nomeação feita internamente pelos discípulos ou pela liderança, e por eles publicizada, posteriormente; decorrente da fundação de uma comunidade com sede ou local fixo para suas reuniões ou outras atividades que, como em Jerusalém, acontecia nos lares entre as famílias. Identificava-se como cristão quem tivesse o estilo comum a eles e não por frequentarem a Comunidade Cristã em Antioquia, como se diz atualmente.

Deus escolheu a comunidade de Antioquia e a designação de cristão para formar seguidores de Cristo que amem uns aos outros e vivam em unidade para impulsionar a evangelização do mundo inteiro.

  • E sucedeu que todo um ano se reuniram naquela igreja, e ensinaram muita gente; e em Antioquia foram os discípulos, pela primeira vez, chamados cristãos (At 11,26).

A comunidade de Antioquia era verdadeiramente alicerçada na Rocha. O amor era tão forte, que a unidade não se abalou, sem qualquer partidarização, quando dois de seus principais líderes e pioneiros nas missões iniciadas na comunidade, Barnabé e Paulo, se desentenderam acerca da companhia de João Marcos na segunda viagem missionária e cada um seguiu um rumo diferente (At. 15, 36-30).

Como os iniciadores da Comunidade em Antioquia tinham suas raízes em Jerusalém, faz sentido a prontidão dessa Comunidade em ajudar financeiramente os irmãos de lá e de toda Judeia, quando a região enfrentou uma grande carestia (At.11,27-30).

De Antioquia para o mundo

Essa Comunidade, nascida com caráter migratório, não por acaso se tornou a primeira a apoiar as viagens missionárias intencionais, como ocorreu com Barnabé, Paulo, Marcos, Silas etc. Por ser aberta à diversidade étnica, contribuiu para que Paulo experimentasse e consolidasse a sua compreensão acerca da inclusão dos gentios, a ponto de se sentir seguro para, em determinada ocasião, advertir Pedro por mudar de atitude, se distanciando dos gentios depois da chegada de judeus companheiros de Tiago (Gl.2,11-14).

Assim alicerçado, Paulo não teve dificuldade de se dirigir aos gentios depois de ser resistido pelos seus compatriotas, durante sua primeira viagem missionária (At.13,46). Episódio este que Paulo relata como abertura da porta da fé aos gentios, (At, 14,26-28). Sem sequer mencionar a rejeição que encontrou dos judeus, enfatiza a aceitação do evangelho pelos gentios, indicando que era dessa forma que Deus via os acontecimentos e comparou com o processo de enxerto (Rm11).

Certamente que a experiência de Paulo em Antioquia foi fundamental para a compreensão do mistério de Cristo que ele afirma ter recebido por revelação acerca da inclusão dos gentios para, ao lado dos judeus, formar um só povo em Cristo (Ef.3,4,6), num contexto de universalização, apontado para convergência de todas as coisas n’Ele (Ef.1,10).

O apóstolo Paulo carregava o legado de Antioquia, pois, mesmo sofrendo diretamente a oposição de seus compatriotas, jamais escondeu sua origem judaica e nunca adotou uma atitude revanchista ou de exclusão em relação ao seu povo. Pelo contrário, sempre insistia em apresentá-lo como integrante do plano de Deus, se esforçando e sofrendo a favor dele.

Assim, o evangelho atravessou as fronteiras nacionais e continentais e chegou até nós, nos confins do mundo. Tudo começou com uma perseguição atroz e violenta contra a Comunidade exemplar de Jerusalém.

Nota: Extraído do livro “Comunidade como Expressão do Corpo de Cristo”.