Quando se trata de unidade, muitos preferem nem falar a respeito; para outros, trata-se de uma grande interrogação; e, para alguns irmãos, já é um assunto resolvido: cada um deve andar com sua “igreja” sem se importar com o que está acontecendo ao redor.
Tenho vivido uma experiência de unidade bem interessante em Jundiaí, cidade onde moro. Em 2011, nós nos unimos a outras três comunidades cristãs que já haviam caminhado durante uns nove anos, fazendo reuniões regulares entre os pastores e algumas reuniões esporádicas com as congregações. Com esse novo passo, passamos a dividir o mesmo prédio e algumas despesas, a trabalhar em conjunto com os obreiros, a realizar encontros gerais de casais e a reunir as congregações em dois cultos no domingo, um pela manhã e outro à noite. Traçamos desafios para um presbitério plural, e todos têm-se empenhado juntos para descobrir a vontade de Deus.
Individualismo versus a glória do conjunto
Nossa experiência me faz lembrar um fenômeno da natureza que ocorre entre os rios Negro e Solimões. São dois rios diferentes – um tem águas claras, e o outro tem águas escuras e barrentas. O rio Negro corre à velocidade de 2 km/h aproximadamente a uma temperatura de 22°C, enquanto o rio Solimões corre à velocidade de 4 a 6 km/h a uma temperatura de 28°C. Depois de se encontrarem (para formar o rio Amazonas), continuam lado a lado por 6 km, sem se misturar. A nossa unidade sempre produzirá algo bem maior e melhor do que o que conseguiríamos atingir sozinhos, pois a glória de Deus é manifestada.
“Eu lhes dei a glória que me deste, para que sejam um, assim como nós somos um; eu neles, e tu em mim, para que eles sejam levados à plena unidade, a fim de que o mundo reconheça que me enviaste e os amaste, assim como me amaste” (Jo 17.22,23).
Às vezes, nós nos debatemos muito para entender a unidade… Contudo, para Jesus e o Pai, trata-se de um assunto resolvido, pois é o alvo que planejaram e que esperam de nós. O modelo dessa unidade vem da Trindade, pois o Pai e o Filho são um por causa do Espírito que está entre eles e é um com eles (veja as mensagens da conferência A Trindade e o Reino de Deus sobre esse assunto no site www.revistaimpacto.com.br).
Unidade é a expressão da Trindade e o testemunho que dão para o mundo. Nosso desafio é ser um, exatamente como o Pai, o Filho e o Espírito são UM. Não há brecha nem contradições, e um trabalha em função do outro. Será que estamos dispostos a trabalhar em função do outro? Se quisermos a verdadeira unidade, precisaremos estar dispostos a cooperar para que o outro avance, para que o outro consiga e acerte o alvo.
O que tem sido mais importante para mim: o meu próprio ministério ou o ministério do próximo? Creio que esteja na hora de mudar a regra de como trabalhar no ministério. Não acredito que Deus tenha compromisso com o meu ministério, mas com a sua glória. O foco de Jesus era a glória do Pai; o foco do Pai e do Espírito era a glória do Filho, e ai de quem pecasse contra o Espírito Santo! É assim que a Trindade pratica a unidade. Será que nos importamos quando um colega é achincalhado pelas pessoas ao nosso redor?
O meu ministério ou a minha igreja em particular jamais transmitirão ao mundo a certeza de que Jesus foi enviado se não estivermos andando em unidade com outros ministérios, tanto na congregação a que pertencemos quanto na cidade, estado e país.
Quero usar uma ilustração da construção civil para mostrar melhor o que é unidade. As matérias-primas utilizadas são areia, cimento, pedra, água e ferro. Não é confiável construir nada usando apenas um desses elementos. Quem arriscaria construir usando apenas cimento, ou areia, ou água, ou pedra ou até mesmo ferro? Provavelmente, o resultado seria desconfortável e totalmente inseguro. A união de cimento, pedra, areia e água produz uma substância chamada concreto, e, com a adição de ferro, podem ser feitas colunas, vigas e outros elementos de sustentação.
Depois de feito o concreto, a areia, o cimento e a água nunca mais se separam. Assim que o ferro também é incluído, sua individualidade desaparece e, a partir desse momento, chamamos o conjunto todo de coluna. Não apontamos para a coluna e dizemos: “Aquele cimento, aquela pedra…”. Não utilizamos mais o nome dos componentes, mas o nome daquilo que foi produzido pela união deles: uma coluna.
Ao ser derramado em Jerusalém, o Espírito Santo produziu a Igreja, uniu pessoas e capacitou-as a viver muito além de qualquer experiência que haviam conhecido anteriormente. E o que as pessoas de fora viram? Não proezas individuais, mas a Igreja, o Espírito que se movia entre elas, Jesus se manifestando, a natureza divina encarnada na vida cotidiana do povo.
Eu penso que Deus não está preocupado se você vai aparecer ou não, mas com o que pode acontecer se você e eu deixarmos que ele nos leve a águas mais profundas de comunhão e unidade. O resultado é maior do que a parte; o resultado da unidade é infinitamente maior do que cada um pode produzir sozinho.
Unidade dói
Ouças as palavras do apóstolo Paulo: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, que, existindo em forma de Deus, não considerou o fato de ser igual a Deus algo a que devesse se apegar, mas, pelo contrário, esvaziou a si mesmo, assumindo a forma de servo e fazendo-se semelhante aos homens. Assim, na forma de homem, humilhou a si mesmo, sendo obediente até a morte, e morte de cruz” (Fp 2.5-8).
Você acha que participar do conselho de pastores de sua cidade e congregar com irmãos que ama é suficiente para cumprir essa palavra? Eu diria que não, ainda não. Jesus orou para que fôssemos levados “à plena unidade” ou que fôssemos “perfeitos em unidade”. Para atingir a plenitude ou a perfeição, precisamos nos esvaziar, pois, mais uma vez, a medida ou referência aqui é Cristo. Isso vai doer, pois, naturalmente falando, não queremos ceder nosso lugar a outro; queremos que o nosso ministério seja visto e reconhecido. Entretanto, a solução virá quando o mundo reconhecer que Jesus foi enviado (Jo 17.23). É ele que precisa ser visto entre nós, não os nossos feitos ou ministério pessoal.
Temos um exemplo disso no Antigo Testamento. Jônatas foi até seu amigo Davi e fez uma declaração que deu base à aliança entre eles e transmitiu confiança a Davi para seguir em frente. “Não temas, porque as mãos de meu pai Saul não te tocarão. Tu reinarás sobre Israel, e eu serei o segundo no reino; Saul, meu pai, bem sabe disso” (1 Sm 23.17).Jônatas tinha certeza de que o Espírito do Senhor estava sobre Davi e queria usá-lo. Infelizmente, nós achamos que o Espírito Santo está apenas sobre nós e que Deus, com certeza, quer usar a mim mais do que aos outros. Jônatas abriu mão do poder.
Há muita disputa, briga por poder, um tentando mandar mais que o outro. Isso mostra que não há dor. Se você acha que tudo vai bem porque consegue manter controle e ninguém o contraria em nada, é porque você está no trono que pertence a Deus. Levantou-se uma lacuna entre você e as pessoas, e elas têm dificuldade de aproximar-se de você. Como criar e manter relacionamentos sem sentir dor? A formação de vínculos verdadeiros, como num corpo físico, requer esvaziamento – e esse processo dói!
Veja como Paulo o expressou: “Meus filhos, por quem sofro de novo dores de parto, até que Cristo seja formado em vós” (Gl 4.19). Para darmos à luz essa unidade, precisaremos sentir dor. Trata-se da mesma dor que Jesus sentiu (Cl 1.24), e nós fomos convidados a participar de seus sofrimentos (Fp 3.10; 1 Pe 4.13).
A natureza caída que nós temos é contrária à unidade. Não é natural do ser humano querer isso. Portanto, a unidade tem um preço, produz dor na alma. A natureza humana quer conforto e comodidade, foge de tudo o que a ameace, que a incomode.
O trono que um pastor sênior (seja qual for o termo: pastor presidente, pastor principal, supervisor, bispo, etc.) ocupa pertence a Deus, quer faça parte de um governo de vários homens, quer exerça autoridade sozinho. Deus concede aos homens o privilégio de compartilhar sua autoridade divina na Terra, assim como permitiu que Salomão sentasse no trono em Jerusalém que, de fato, pertencia a ele (1 Cr 29.23). Porém, é preciso reconhecer que esse trono tem um dono: o Senhor.
Um dia, ele vai requerer o trono e o governo da Igreja de volta para si, pois pertencem ao Filho. Governar por conta própria, sem depender de uma palavra ou direção clara de Deus, é tomar o trono para nós mesmos. Creio que o Senhor esteja trabalhando em cada um de nós para que lhe devolvamos o trono que assumimos indevidamente e a autoridade humana que impusemos a outras pessoas. Isso, com certeza, dói.
O governo compartilhado dá muito mais trabalho do que governar sozinho. Porém, é a maneira que o Senhor escolheu para conduzir seu povo. À medida que deixamos outro ter a primazia, deixamos outro ir à frente, permitimos que outros falem, que outros sejam mais usados que nós mesmos, Jesus é glorificado em nós (ouça gratuitamente as mensagens sobre liderança fraca, ministradas no CPPI 2012, na biblioteca de MP3: https://www.revistaimpacto.com.br/cppi-2012-indice-geral-de-palestras).
A minha revelação particular (ou a sua) é incompleta. Deus vai usar outra pessoa para completar nossa visão. Assim como os elementos separados do concreto não podem produzir uma coluna ou uma viga, da mesma maneira andar sozinho ou ocupar o trono de sua própria vida não produzirá nada capaz de glorificar a Deus!
Unidade, diversidade, mutualidade e dor
O propósito aqui não é defender a dor, porque Deus não está interessado na dor por si mesma. O propósito é acordar, pois Deus está prestes a mudar as regras do jogo, revelando, de modo mais profundo, sua mente e vontade. Até aqui, andamos na luz que o Senhor nos deu; agora, porém, Deus vai aumentar essa luz, e precisamos estar atentos.
As diferenças que existem entre nós não devem ser combatidas, mas respeitadas. O fato de outras pessoas serem diferentes não me dá o direito de andar sozinho, de fazer a obra sozinho. São as diferenças que garantem a beleza do resultado. O que um faz é complementado pela qualidade singular do outro. Não existe uma pessoa ou um ministério individual capaz de satisfazer a exigência de Deus para todos, nem para si mesmo. A coisa mais importante que acontece quando dois ou três se reúnem não é o fato de estarem juntos, mas o que estar junto produz: a presença de Deus no meio deles.
Há ordens na Bíblia que são claras: “sujeitai-vos uns aos outros”, “cantai entre vós com salmos e hinos”, “carregai as cargas uns dos outros”, “amai-vos uns ao outros”. Essas coisas não podem ser feitas quando cada um é voltado para si mesmo: só são válidas se realizadas com o outro ou para o outro. Não tem como sujeitar-me a mim mesmo, cantar o tempo todo só para mim ou carregar apenas a minha carga. Se olharmos para o propósito de Deus, faremos cada uma dessas coisas sem olhar a quem, pois, se permanecermos questionando a quem devemos fazer, perderemos o alvo.
Andar com outros irmãos, respeitando as diferenças, pode causar-nos certo desconforto. Às vezes, podemos até nos ressentir de algumas coisas, mas quando aceitamos pagar o preço e consentimos com a dor por amor a Deus, um novo louvor e uma nova adoração são levantados ao nome do Senhor. Uma palavra que não temos ainda será gerada em nosso coração, a autoridade será restaurada em nosso meio de uma maneira que nossa geração ainda não viu nem experimentou.
Com certeza, isso atrairá Deus para “tabernacular” conosco, brechas serão reparadas, a água e o óleo não mais vazarão como tantas vezes já aconteceu. A glória de Deus será vista em toda a Terra, e Jesus será reconhecido em nosso meio. Esta Noiva, sem dúvida, trará o Noivo de volta!
Parte da inspiração desta mensagem veio de uma comunhão entre vários irmãos do Ministério Impacto reunidos no Centro de Eventos Vale da Águia em Sorocaba, SP, para esperar no Senhor, no início de fevereiro de 2013.
Abnério Mello Cabral é pastor de uma das quatro comunidades em Jundiaí que estão num processo de união há alguns anos. É casado com Keila e tem três filhas.
Fonte: Revista Impacto – Edição 74