O homem foi criado para ser a companhia de Deus, correspondendo à sua imagem e semelhança, a fim de poder participar da glória de Deus. Com a queda, isso somente voltou a ser possível através do sacrifício de Jesus, que lhe restituiu à glória da qual fora destituído (Jo17.22; Rm 3.23).
Em linhas gerais, este é o esboço do propósito e da estratégia de Deus em que a igreja deve se enquadrar, servindo-lhe de instrumento em suas mãos para levar a bom termo todo o plano. No final, tudo vai se conformar à vontade de Deus tal como era no princípio, antes de existir a vontade rebelde de Satanás. Portanto, o meio para alcançar este objetivo deve estar em consonância com a vontade de Deus. Ou seja, ninguém tem a liberdade de propor as suas próprias estratégias, uma vez que já foram determinadas por Deus. Visto por este ângulo, a vida eterna é a opção que fazemos desde agora pela vontade de Deus. Assim, a subordinação de tudo exclusivamente à vontade original de Deus é, ao mesmo tempo, o fim e também o meio para a sua consecução.
O processo de subordinar todas as coisas única e exclusivamente à vontade de Deus equivale a colocá-las em unidade com essa mesma vontade. Conforme expressou Jesus, a manifestação dessa unidade é o pré-requisito para que o mundo compreenda o Corpo de Cristo e venha a crer nele. Como qualquer corpo possui um só comando que emana do cérebro, ao qual todos os membros se sujeitam sem independência nas ações, assim também deve ser a igreja como corpo, cuja cabeça é Cristo, manifestando a glória de Deus aos homens.Se o fim é absolutamente importante, não menos importantes são os meios pelos quais é alcançado. Deus faz questão de que se use os meios certos para alcançar o fim. A unidade está no princípio e no fim, sendo ela mesma o único meio legítimo que liga um ao outro. Cristo é o Alfa e o Ômega; o princípio e o fim. Ele estava no princípio com Deus, veio para estar conosco e volta a Deus com quem estiver nele.
Conhecendo o início e o fim e sabendo que o meio deve ter total identificação com ambos, temos uma excelente base para refletirmos se estamos agindo coerentemente ao executarmos a obra de Deus.
Unidade e Paciência
Deus preferiu contar com o homem como parceiro, mesmo isso significando reduzir a velocidade ao ritmo humano daquilo que poderia fazer instantaneamente. Deixou de lado o chronos – o tempo cronometrado – em favor do kairós – o tempo oportuno – para fazer as coisas, revelando a sua longanimidade, a qual devemos aplicar a todos os irmãos. Aprendemos, então, que Deus quer fazer as coisas em conjunto, em unidade, e que este fator é tão importante que dita o ritmo de sua obra. Ele espera pelo homem, mesmo que isso infrinja o seu cronograma, como no caso da escravidão dos hebreus no Egito que se estendeu para além dos 400 anos, ou da jornada extra de 40 anos no deserto.
Serve como referência à nossa reflexão a parábola do servo cuja enorme dívida foi perdoada pelo seu senhor, mas não teve o mínimo de compaixão pelo seu conservo que lhe devia uma pequena quantia. Da mesma forma, Deus, ao privilegiar a parceria conosco, teve toda a paciência de nos esperar por muito tempo, enquanto nós desprezamos aqueles que supostamente estão apenas alguns minutos atrasados. Isto ocorre quando alguém tem uma revelação e, alardeando sua visão, sai em disparada para colocá-la em prática, mesmo às custas de deixar muitos feridos pelo caminho. Desconsiderando que é preciso trabalhar juntos, age no sentido de obrigar outros a aceitarem a nova visão, impondo-a como decreto, sem esperar que estes também a possam receber de Deus. Talvez a nossa pressa – o imediatismo – que nos impele para o fim sem considerar os meios, explique o porquê da escassez da revelação de Deus. Trabalhar juntos em unidade: este é o meio que glorifica a Deus.
Muitas das divisões (senão todas) que a igreja sofreu poderiam ter sido evitadas se não houvesse precipitação humana, especialmente por quem supunha ter a revelação certa e estar com a razão. Sendo a unidade a vontade de Deus, ele age para solucionar os problemas sem ferir este principio, mesmo que a solução seja drástica como no caso de Ananias e Safira. A melhor solução humana é sempre desastrosa na obra de Deus, principalmente por desconsiderar a importância do princípio da unidade. Deus não compactua com a filosofia de que os fins justificam os meios. Moisés deixou de entrar na terra prometida por usar um meio errado: com a finalidade de obter água, bateu na rocha ao invés de falar com ela, como o Senhor o instruíra. Assim também, muitos estão expulsando demônios, profetizando e gritando “Senhor, Senhor”; mas por desprezarem a vontade de Deus, estarão excluídos da vida eterna (Mt 7.21-23). A unidade é a vontade de Deus.
Ao invés de impor ao outro a revelação que temos, devemos orar para que Deus também a dê para ele, como fazia o apóstolo Paulo (Ef 1.16…, 3.14…, Fl 1.9…, Cl 1.9…, 1 Tm 2.1,4). Assim como a Bíblia, que é a Palavra de Deus, nas mãos dos homens pode tornar-se palavra de homens e ser usada no interesse dos mesmos, de igual forma uma revelação genuína de Deus pode se tornar em algo humano, se transmitida com espírito errado.
Por essa razão, há muitas famílias desequilibradas espiritualmente. Enquanto um é avançado espiritualmente, outro ficou tão para trás que parece que desistiu da carreira. O deleite, a necessidade e a urgência para fazer o que parecia ser certo se sobrepuseram à importância de andar juntos e atropelaram a unidade, prejudicando-a, ao se esquecer de esperar pelo outro. Devemos sempre lembrar que o mesmo Deus nos deu o ministério e o matrimônio, e que não há nada de mais relevância espiritual que justifique anular a vontade de Deus, ocasionando a separação do casal. Deus quer a unidade para manifestar a sua glória, tanto no lar como no ministério.
Um reino dividido não pode subsistir. Então a igreja vai vencer Satanás quando apresentar a unidade do Corpo de Cristo. Não cabe edificar reinos particulares dentro do reino de Deus, pois não são estes que vão prevalecer. É tempo de cuidarmos de nossas particularidades, não vendo nelas um fim em si mesmas, mas a nossa contribuição para o reino de Deus como um todo. Ao reconhecermos que a conversão é obra exclusiva do Espírito Santo, temos que admitir também sua presença mesmo entre os irmãos que agem de maneiras que nos pareçam estranhas e até mesmo absurdas, sobre quem sempre temos uma longa lista de restrições, segundo as quais nunca pertenceríamos a tal movimento ou denominação. É um equivoco imaginar que os erros que vemos neles possam contribuir para mostrar a nossa excelência. Qualquer erro na igreja atinge a todos os cristãos e diante deles só cabe uma postura: reconhecer as falhas, mesmo que não sejam nossas pessoais, e confessá-las a Deus na qualidade de intercessores.
Oração, a Primeira Ação
O que qualifica um intercessor é sua identificação com a causa. Daniel e Neemias eram homens íntegros e ligados à corte babilônica, condição que, do ponto de vista humano, os isentaria de responsabilidade pelo pecado da geração anterior que motivou o cativeiro, assim como lhes permitiria desfrutar de regalias bem opostas às privações que estavam passando aqueles que haviam ficado na terra de Israel. Mesmo assim, sem qualquer arrogância, eles se colocaram em posição de igualdade com os pecadores que provocaram a deportação e se entristeceram pelas condições de miséria de Jerusalém e de seus habitantes daqueles dias, a fim de intercederem em oração e jejum a favor da terra e do povo de Deus (Dn 9; Ne 1).
Encontramos na Bíblia muitos outros exemplos de pessoas que se colocaram em posição inferior para a realização do serviço de intercessão, como o próprio Jesus que se fez em tudo semelhante ao homem e sofreu a tentação para se habilitar a ser nosso intercessor (Hb 4.14-16).
O contra-exemplo foi mencionado por Jesus ao citar o fariseu que se excluía dos impuros: “Graças te dou, Senhor, pois não sou como os demais homens, roubadores, injustos….”, e seguia sua lista de generosidades (Lc 18.9-14). Os mesmos fariseus também foram veementemente repreendidos por Jesus por julgarem-se superiores aos antepassados que haviam matado os profetas. Por isso, ao invés de fazerem confissão desses pecados diante de Deus pela nação, agiam com soberba ao se julgarem isentos do problema, como se seus antepassados pertencessem a outro povo. Com essa atitude, apenas ratificavam o erro e mergulhavam-se ainda mais no pecado (Mt 23.29-32).
Da mesma forma, Deus quer que tenhamos um clamor e um lamento por toda a igreja. Não podemos nos alegrar pelos deslizes dos outros e nem sequer ficarmos indiferentes a eles, pois causam sofrimentos a Deus e, se quisermos ser conforme o coração de Deus, devemos sentir o mesmo pesar. É assim, a partir de um coração de intercessor, que começa a se estabelecer a unidade. Devemos pedir perdão a Deus pelos erros que a igreja cometeu, pelas suas divisões no Corpo de Cristo, mesmo que tenha sido em gerações anteriores e, principalmente, reconhecer a situação atual de dilaceramento, e nos arrepender por ela, sentindo-nos como integrantes desta igreja.
As Semelhanças Possibilitam a Unidade de Pensamento
Temos que mudar a prática teológica – acadêmica ou popular – que destaca as diferenças, agindo como uma pedagogia ultrapassada que enfatiza os erros, grifando-os em vermelho. Desta maneira, as diferenças vão ganhando importância, acentuando-se cada vez mais as barreiras de separação, enquanto as semelhanças tornam-se desprezíveis. Agir em favor da unidade é mudar a forma de pensar e prestar mais atenção às coisas que temos em comum, valorizando-as como coisas de Deus, e relegar ao segundo plano as diferenças criadas pelos homens. Precisamos abandonar nossa posição de juiz com a trave nos olhos, tentando tirar o cisco dos olhos dos irmãos, e lembrar que somos todos pecadores e que temos um inimigo comum que é Satanás, de quem, de fato, temos que nos diferenciar.
De maneira geral, os cristãos têm demonstrado que a unidade só será possível após a morte do último cristão. Entretanto, devemos lembrar que o propósito de Deus é o de vencer Satanás e despojá-lo desta terra, e isso será feito através da igreja – o Corpo de Cristo – que esmagará sob os pés a cabeça da serpente. Para que isso ocorra, não pode haver resquício de divisão em nosso meio, pois é nesta divisão que Satanás tem apostado tanto. Embora necessária e previsível, a unidade que foi tão vilipendiada durante a história da igreja será uma surpresa, dada a incredulidade que se tem em torno da mesma.
Este será o grande milagre da história que demonstrará que todos os corações dos cristãos são habitados pelo mesmo Espírito e que há em todos eles uma mesma lei. Este milagre será muito maior do que qualquer cura espetacular ou outra maravilha, como a remoção de uma montanha. Não será um produto natural da capacidade humana de articulação política entre as instituições, mas totalmente do Espírito.
Se, de fato, cremos desta maneira, é tempo de começarmos um movimento a partir de nosso interior, permitindo que o Espírito Santo nos dê arrependimento e conversão, habilitando-nos à posição de intercessores para que os cristãos, conscientes do pecado contra a unidade do Corpo de Cristo, também façam o mesmo, revelando assim a verdadeira igreja de Jesus.
Pedro Arruda reside em Barueri – SP e é um dos coordenadores de uma comunhão de grupos espalhados por várias cidades e estados no Brasil.
Fonte: Revista Impacto – Edição 33